Eu estou emburrecendo. Foi essa a conclusão a que chegou no terceiro ano da faculdade. Há três anos era capaz de refletir sobre aquilo que o cercava. Tinha tempo. Tempo, o que é? Recorreu ao Houaiss: “oportunidade para a realização de alguma coisa”. Platão foi um grande filósofo, pensou, será que assim o seria se não tivesse uma mina de carvão com trabalhadores escravos? Ou se sua esposa não fosse chata? Ele teria tempo para pensar se não pudesse usufruir do ócio? Por que insistem em preencher meu dia com coisas que me impedem de pensar, questionou-se.
Começou a digressionar: Bacon, Jung, Goethe... Regurgitava pensadores. Vamos ao rodeio hoje? Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda. Você viu Gossip Girl ontem? Uma boa consciência é um banquete ininterrupto. O que acontece com o Beto, hein – perguntavam à meia boca seus amigos.
Tornou-se um chato, ninguém queria estar ao seu lado. Em seus poucos momentos livres, ele escrevia suas memórias, pensamentos. Teorizou e chegou à conclusão de que escrever era um ócio muito trabalhoso, parafraseando Goethe. Criou então, para que seus pensamentos perdurassem, a Teoria dos Sinais de Pontuação: as pessoas dividiam-se em pontos finais, de interrogação, dois pontos, exclamação e vírgulas.
Os pontos finais eram aqueles que não refletiam, não gastavam tempo pensando. Os filósofos e grandes pensadores eram os pontos de interrogação. Já aqueles que viviam no laissez faire, laissez passer eram os pontos de exclamação, professores eram os dois pontos e as vírgulas eram os pensadores medíocres, medianos.
Endoideceu. Ao andar na rua, ao conversar, enxergava apenas os sinais de pontuação. Oi, Beto! Oi, Exclamação. (Hã?!). Beto, você viu o Eduardo? Quem? E-du-ar-do. Aquele ponto final? Não, não vi. (?!?). Amor, vamos jantar hoje? Na realidade, você não passa de uma vírgula, precisa pensar com mais concretude.
Com o tempo, as Vírgulas, Exclamações e Pontos finais catalogaram-no: virou um trema. Viva a Reforma Ortográfica, brindaram os amigos
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credo, acho que eu sou umas reticencias...
ResponderExcluir:/
belo texto
q triste. eu entendi certo: ele morreu?
ResponderExcluiruma morte metafórica...
ResponderExcluirou ele mudou de país: foi pra Alemanha, Islândia, Suécia... ou outro desses países onde a trema está numa boa...